Por que o lema do “tenha uma vida extraordinária” pode estar te impedindo de ser feliz.

Eu sempre quis ter uma vida extraordinária. A minha vida toda. Desde criança. Mesmo sem saber exatamente o que seria de fato viver uma vida extraordinária, foi atrás disso que eu sempre corri, foi com isso que eu sempre sonhei. Desde que a internet se transformou na extensão da nossa própria vida (ou na nossa própria vida mesmo), essa vontade de ser extraordinária se potencializou como algo quase vital pra mim. Era tanta gente falando sobre a necessidade de ser extraordinário, de fazer coisas extraordinárias, de deixar um legado extraordinário, que eu simplesmente não podia ignorar o chamado. Eu tinha que ser extraordinária também.

Entre postagens e relatos extraordinários, fotos e vídeos de uma vida que parecia de fato extraordinária, comecei a buscar por pessoas que, segundo o senso extraordinário, tinham abandonado vidas consideradas medíocres para fazer acontecer. Pessoas cujas trajetórias de sucesso inspiravam milhares de outras vidas como a minha; vidas que demandavam algo realmente extraordinário para saírem da média do senso comum e se transformarem em alguma coisa realmente significativa. Era assim que eu pensava.

Em nome de viver essa vida extraordinária e de descobrir um propósito maior que pudesse dar sentido ao movimento de acordar e levantar da cama todos os dias, mudei radicalmente a minha vida: abandonei o meu emprego no mundo corporativo para viver de coaching e de escrever e me tornei empreendedora digital.

Pela primeira vez na vida, eu tinha começado a me sentir realmente extraordinária. E era aí que estava o meu erro.

Ao considerar que só a partir daquele momento as coisas faziam sentido e eu poderia ser realmente reconhecida como merecedora de algo maior, era como se eu estivesse desmerecendo tudo o que eu tinha construído antes. E quem eu era também. Afinal de contas, só é extraordinário quem larga tudo? Quem muda de vida? Quem faz algo considerado “grande”? A felicidade só pode estar em lugares e comportamentos considerados “revolucionários”? Só pertence a pessoas que se desenquadraram de alguma forma de um sistema tradicional de trabalho, consumo e tudo mais?

Quando comecei a viver essa nova vida e atender clientes extremamente insatisfeitos e infelizes com as suas próprias vidas, aprendi e entendi com eles algo que, no fundo, eu descobri que já sabia: o lema do “tenha uma vida extraordinária” pode estar te impedindo de ser realmente feliz.

E o que quero dizer com isso?

Que a busca por uma vida com mais significado e mais propósito é e sempre será muito válida e muito importante, sim – eu trabalho com isso! E sou significativamente mais feliz com o meu trabalho atual e com a minha própria vida de maneira geral do que era há quase 8 anos, quando trabalhava no mundo corporativo e não via muito significado nas atividades que eu estava fazendo – mas que isso não invalida o fato de que a minha vida já era, sim, extraordinária de muitas maneiras, porque uma vida extraordinária não se constrói com uma única ação (é como a amizade: não é uma coisa grande. São milhares de coisas pequenas). E também não se sustenta com réplicas de nenhum padrão.

Hoje percebo que eu estava tão determinada a viver uma vida extraordinária que, muitas vezes, inconscientemente até, deixei de aproveitar e valorizar o extraordinário do tempo presente em nome de uma projeção futura, como se só fosse possível viver uma vida extraordinária longe de um modelo de trabalho considerado “tradicional”. Ou como se, para ser realmente extraordinário, você precisasse fazer coisas mirabolantes, ou ganhar muito dinheiro, ou ficar trabalhando da beira da praia, ou inventar fórmulas revolucionárias e algo do tipo.

Sim, alguma coisa realmente extraordinária está acontecendo no mundo; um movimento efetivamente alinhado com valores de mais colaboração e liberdade, autonomia e autenticidade, troca, compartilhamento e simplicidade em todos os campos da vida: no ser, no ter, no fazer, no trabalhar e no viver de modo geral.

E sim, é legítima essa busca por alguma coisa ainda mais extraordinária nas nossas vidas, alguma coisa que dê mais sentido e significado aos nossos dias, que nos motive a seguir em frente, que faça os nossos olhos brilharem, o nosso coração bater mais animado, a nossa existência ser mais significativa no mundo.

Mas essa busca tem que ser uma busca particular, porque a felicidade, o sucesso e até mesmo o entendimento do que é ou não uma vida extraordinária são coisas infinitamente particulares também. Quando você tenta replicar padrões que não são seus e viver um modelo de vida que nada tem a ver com o que você efetivamente valoriza, por mais que você ache esse modelo extraordinário, você cai na armadilha do “seja você mesmo” para não ser efetivamente ninguém.

Não é possível ser você mesmo seguindo os passos de outra pessoa, por mais extraordinária que ela seja pra você. E também não é possível ser efetivamente feliz quando você só consegue pensar na felicidade como uma conquista futura, como um “quando isso ou aquilo acontecer”, porque a felicidade se faz do presente, e o presente, por mais que não seja exatamente como você gostaria, pode ser extraordinário de muitas maneiras.

O lema do “tenha uma vida extraordinária” pode ser uma verdadeira faca de dois gumes se compreendido dentro de um movimento de comparação e replicação de modelos: por um lado, você se fere porque tende a se achar um lixo quando compara a sua vida “medíocre e desinteressante” com as vidas extraordinárias que aparecem por aí. E, por outro, você também se fere por achar que só será feliz quando fizer todas as coisas incríveis que essas pessoas “extraordinárias” estão fazendo (o que, de quebra, gera ansiedade, tristeza, desânimo e incapacidade de viver e valorizar efetivamente o agora).

Mas o que é ter uma vida extraordinária?

A resposta está com você.

Pra mim, extraordinário é poder ser você mesmo quando a regra parece ser a replicação de fórmulas e modelos prontos de felicidade e sucesso. Extraordinário é poder desejar o sucesso e a felicidade de alguém com um sentimento sincero e desinteressado, do tipo “eu realmente não estou preocupado se você vai retribuir ou não a minha ajuda. Vou ajudar simplesmente porque eu faço pelos outros o que gostaria que eles fizessem por mim, mesmo que eles não façam”.

Extraordinário é poder dizer que ama realmente amando (e não porque todo mundo fala que ama hoje em dia, da mesma forma que fala que vai chover, ou que está calor, ou que quer um café).

Extraordinário é ter a consciência tranquila, é tratar as pessoas com respeito e consideração (independentemente de quem elas sejam e do que elas tenham pra te oferecer), é estar presente no momento presente (não é extraordinário olhar no fundo dos olhos de alguém pela eternidade de um segundo?), é dizer não quando tem vontade de dizer não, é respeitar o tempo do outro, a forma de ser do outro, os gostos, preferências e os sonhos do outro como você gostaria que te respeitassem também.

Extraordinário é defender o seu ponto de vista mesmo sabendo que pode (e que vai, na maioria das vezes) ser julgado por isso. É desafiar as fórmulas e métodos de gurus consagrados em nome do que você realmente acredita e quer pra sua vida, é entender que “ser o mais inteligente da mesa” é uma ideia contestável em muitos sentidos, porque a gente sempre vai ter o que ensinar e o que aprender com quem quer que seja; é se escutar e seguir a sua intuição, é desenvolver o seu estilo próprio, é poder trabalhar com o que quiser e como quiser sem se sentir culpado por isso ou sem pensar que poderia ou deveria estar fazendo outra coisa (e sem achar que é um lixo ou um merda também. E que não está fazendo nada de extraordinário só porque bate o cartão às 18h).

Pessoas com vidas extraordinárias podem estar dentro dos escritórios, sim, e nos parques, nos home offices, nas fábricas, nos aviões, nos bares, nas escolas, nos hospitais, nos asilos, nos orfanatos, nos shoppings, nas ruas, nos elevadores ou onde for.

Histórias extraordinárias servem para você ver que você pode ser quem você é. E que a felicidade é um conceito tão particular quanto a ideia do que é medíocre e o que é extraordinário.

Não se sinta o coco do cavalo do bandido só porque você tem a impressão de que a sua vida não tem nada de extraordinária se comparada a tantas outras vidas “magníficas” que você vê por aí. Cada pessoa carrega dentro de si um universo extremamente particular. Cada pessoa tem a suas histórias, os seus fantasmas internos, os seus poderes, as suas luzes, as suas sombras.  Quem poderá dizer se realmente o que sustentam é uma verdade? Quem poderá falar sobre tudo o que trazem no coração? E quem poderá julgar o que é e o que não é extraordinário nisso tudo?

É incrível como nos esquecemos disso e o quanto condicionamos a nossa felicidade a alguma coisa que, de repente, nem nos representa mais. Ou que nem tem a ver com quem realmente somos e queremos pra nossa vida.

Foi preciso viver uma vida inteira tendo a certeza de que ela era medíocre para aprender que o herói tem muito mais a ver com quem segue na luta do que com quem vence a batalha (e ganha todas as honras por isso!).

E que o extraordinário está o tempo todo com a gente, porque ele é um estado de ser e não de ter, de estar efetivamente presente e de abraçar as nossas imperfeições todas com coragem sincera, apesar do medo.

Eu já vivia uma vida extraordinária de muitas maneiras antes de abandonar o mundo corporativo para viver um sonho meu. Ter largado o meu emprego de carteira assinada não foi o que me fez enxergar a minha felicidade. O que me fez enxergar o quanto as coisas já eram extraordinárias (e podiam ser ainda mais) foi o fato de eu ter olhado para o lado que realmente importa, o lado de dentro, e ter feito as duas perguntas mais poderosas do mundo: o quanto de mim eu estou sendo nesse momento? E como tenho me sentido a respeito disso?

Não há nada mais extraordinário no mundo do que ser você mesmo sem máscaras e sem disfarces.

E estar em paz com isso. Estar em paz com a sua vida e com quem você realmente é.

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